quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Doralice

Doralice era uma cabrocha louca para se casar. Nascida em berço tradicional, cresceu ouvindo os pais dizerem que moça boa se casava cedo, e que cuidava da casa. Ao longo dos anos, alimentou o sonho de se casar com um rapaz trabalhador, que lhe sustentasse. Sonhava com um belo casamento, na Matriz Nossa Senhora da Conceição, no centro de Conselheiro Lafaiete, sua cidade natal. Isso por volta de 1960.

Um belo dia, Doralice saltou num ônibus para Diamantina com a prima, cujo nome não interessa. Foram a passeio, para o final de semana na casa dos tios. Chegando lá, a moça se encantou com a cidade, seu patrimônio histórico e tudo mais. A prima lhe prometera um passeio pelo centro no final da tarde, e quando deu a hora, a duas sairam emperequetadas, de sandália nos pés e bolsa no ombro.

Naquela noite, Doralice conheceu um rapaz chamado Giba, que tocava moda de viola numa lanchonete. Paixão fulminante daquelas, Doralice acordou no dia seguinte no covil do rapaz, que dividia a moradia com mais 2 colegas. Tinha sido a sua primeira noite, completamente avessa ao que havia planejado quando criança. A prima, contrariada, tinha ido embora sozinha para casa e disse que a satisfação aos tios ficaria por conta de Doralice.

Quando voltou para casa, já em Conselheiro Lafaiete, ouviu poucas e boas dos pais. Eles não sabiam ainda que a moça havia sido "violada", mas só a aventura já lhe valeu boas palmadas. Ainda assim, a moça guardava o cheiro do lençol sujo na memória. Os acordes do rapaz do violão ressoavam em sua cabeça, e uma semana depois, Doralice tomou um ônibus de volta à Diamantina.

Ao reencontrar Giba, a moça jogou-se aos seus braços e ali começaram um caso mais sério, que durou mais duas semanas. Só não durou mais porque a moça se precipitou e teimou que iria realizar seu sonho de criança com aquele homem. O problema é que não era de comum acordo, e o jovem boêmio tratou de pular fora assim que lhe saltou ao ouvido a primeira indireta.

Sem eira nem beira, Doralice voltou para casa resignada e pronta para ouvir mais. Mas ao pisar na propriedade, presenciou um terrível drama conjugal: o pai havia traído a mãe com a empregada. Poucas horas depois, a empregada estava demitida e Doralice via o pai deixar a casa com uma trouxa na costas.

Sentada na varanda, contemplativa, Doralice ouviu a mãe dizer que "os homens não prestam mesmo", e concordou plenamente, enquanto escutava João Gilberto cantando uma música com o seu nome no rádio.

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