terça-feira, 20 de maio de 2008

Jornada efêmera

O andarilho acordaria cedo no próximo alvorecer. Partiria de mala e cuia para um destino incerto - para onde o vento lhe orientasse. Enfrentaria o calor destrutivo do meio-dia e chegaria ao vilarejo mais próximo ao fim da tarde, sem nada ter comido. Não beberia água até a manhã seguinte, quando seria acordado pelos guardas com chutes.

Seria capturado por homens de farda que o levariam a uma cela escura. Ali, beberia uma água turva e comeria um pão embolorado, servido numa vasilha de metal imunda. Passaria três dias consecutivos sob tal dieta, até que um general condecorado aparecesse para lhe interrogar. Balbuciaria sem forças suas respostas e em troca receberia golpes na nuca e no estômago. Depois cuspiria um sangue denso sobre o chão de concreto áspero, onde passaria as próximas 6 horas, sob o efeito alucinógeno da dor.

Acordaria com a cusparada do general repousando sobre sua face. O homem portaria um documento em papel amarelado, outorgando-lhe a liberdade, sob a condição de exílio do vilarejo. O andarilho então aceitaria a proposta sem pestanejar e partiria para um novo destino tão logo pudesse. Na saída do quartel, os guardas zombariam de sua aparência e lhe golpeariam o fígado com a coronha de suas espingardas. Ele capengaria até a saída, onde recobraria o fôlego e partiria de volta à estrada.

Antes, porém, que muito pudesse avançar, seria abordado por dois gatunos que tomariam os poucos pertences que lhe restavam (um lenço bordado com suas iniciais, um isqueiro engasgado, uma caneta de ponta fina e um pequeno bloco de notas rasurado). Depois amaldiçoaria sua jornada audaz e recairia sob uma palmeira na planície onde se encontrava.

Amanheceria com a brisa afagando-lhe a face e o sol dourando seus cabelos. Sentiria a barba coçar enquanto as moscas lhe roçassem as bochechas, farejando podridão. Sentiria a picada lancinante de um escorpião lhe rasgar a fíbula e depois pereceria sob o sol escaldante, enquanto o veneno espesso lhe tomaria as veias rumo ao átrio. Tudo escureceria.
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De súbito, o andarilho despertou da alucinação proveniente de uma forte insolação. Isolado na planície árida do deserto, ele enxergou dois vultos se aproximando no horizonte trêmulo. Contaminado pelo mau presságio que o sol lhe confiou, o pobre homem tateou os bolsos desesperadamente até encontrar um caneta de ponta fina, com a qual perfurou a própria garganta e sangrou até a morte.

2 comentários:

Douglas Funny disse...

Um sofrimento desumano.

Agora sei onde buscar vocabulário para as minhas histórias, um texto muito rico querido.

Abraço.

R@mon_Vitor disse...

Pô, bem legal o text... parabéns...
P.S: Gostei demais do layout.. * _______*