quarta-feira, 2 de abril de 2008

Copacabana é pura emoção

Garotão boa pinta passeia de sunga nas areias de Copacabana. Casco de cerveja na mão direita, colar de semente de açaí no pescoço, rolex reluzente no pulso esquerdo, gingando feito Nega Fulô no carnaval, ao atravessar a praia admirando as beldades que se bronzeavam ao sol de topless. “Tudo lindo, Rio maravilha, essa é a vida que eu quero pra mim”, pensa ele.


Na passada seguinte fareja um malandro de olho no seu relógio, e num piscar de olhos o marginal toma-lhe a coisa do pulso sem pestanejar e acelera no cooper até o alto do morro. O garotão até balança a garrafa feito maça medieval, pronto pra atirar na testa do delinqüente, mas sem sucesso, só faz derramar o líquido amarelado pelas costas, e respinga num idoso que repousa logo ao lado.

Garotão agora puto da vida, caminhando enfurecido, sem rolex e sem moral, ainda de sunga, com sede de justiça no estilo Charles Bronson, entra num devaneio psicótico. No meio desse mesmo devaneio, acorda com outro malandro espiando sua carteira. Sem nenhuma dúvida, saca do casco semi-vazio e atinge a testa do potencial salteador, jorrando sangue no próprio peito, com uma expressão diabólica. O ferido, por sua vez, cai na areia inerte, com um caco enterrado na fronte e expressão de dor, muita dor.

Movimentação, grito de pânico, indignação popular, e agora o garotão é vilão da história. “Playboy-filha-da-puta” é o que ele escuta de mais brando, já aterrorizado pela perspectiva de linchamento público. Olha para o ferido, e dois passos pra trás vê uma caixa de engraxate. Aos próprios pés, encontra o cartão de crédito do papai, quase encoberto pela areia. Liga os pontos e se dá conta de que o engraxate vinha lhe devolver o cartão, e quem sabe, solicitar um trocado para uma água de Coco.
Ao final da retrospectiva, é justamente isso que lhe vem à cabeça: Coco.

Lançado por um plebeu, o Coco atinge a cabeça do garotão com uma precisão que até Davi aclamaria. Resulta em sangue escorrendo pela face do playboy entorpecido pela pancada, e o baque do seu corpo desmontando sobre a areia de Copacabana. A turba é pura satisfação, e se dissipa logo que a ambulância chega para o socorro dos dois moribundos. Restam os corpos inanimados do garotão e do engraxate, caídos de braços abertos na mesma direção do Cristo, que repousa de peito aberto no alto do Corcovado.

O Rio de Janeiro é um turbilhão de emoções.

Obs: O autor gostaria de esclarecer que o conto acima não contém, de maneira alguma, qualquer crítica ao Rio de Janeiro. A cidade maravilhosa é apenas o cenário dessa história, que poderia acontecer em Belém do Pará, São Paulo, Novo Hamburgo, ou qualquer outro lugar.

3 comentários:

Mar e Ana disse...

Muito boa a descrição do Rio de Janeiro!!! Muito realista... adorei!

:*

DiegoFerrite disse...

Realismo contado de maneira poética, mto bom.

Vi seu blog no link do "conversas empolgadas", e como confio no bom gosto do Vini não titubeei, vim dar uma espiada e gostei do que vi.

Abs

Alessandra Castro disse...

Oh uau! Q bom texto, quanta realidade, bem escrito mesmo. Pena q tudo isso é o comum, nem mais noticiado é, tá na moda agora crianças torturadas, eskecem as coisas já tão rotineiras.

Voltarei, gostei daki ;)