quarta-feira, 19 de março de 2008

O Futuro do País

Betinho era um garoto comum, apaixonado por futebol desde cedo. Aos 8 anos de idade já era um torcedor fanático. Acompanhava o pai nos jogos do seu clube do coração, assistia todos os programas de debate esportivo que podia e colecionava figurinhas. Teve mais de 10 álbuns diferentes, de clubes nacionais e internacionais, desde a época em que mal sabia ler. Agora, há 2 anos matriculado no ensino público, Betinho sabia ler bem, e se divertia com as informações e estatísticas que encontrava nos cromos, e nos seus respectivos álbuns.

Em pouco tempo, Betinho se tornou uma mini enciclopédia do futebol. Sabia milhares de nomes de jogadores e de times, conhecia um bocado de árbitros, e vez ou outra, dava uns pitacos enquanto assistia aos jogos pela televisão junto com o pai. Em contrapartida, tinha problemas com matemática, história, ciências e geografia. Não que ele canalizasse seus esforços em saber mais sobre futebol, mas pelo ambiente em que vivia. No Colégio, Betinho tinha um ensino deficiente. Em casa, a televisão passava futebol e violência em excesso.

Num dia qualquer, o pai de Betinho lhe presenteou com 3 pacotes de figurinhas para o seu álbum. O garoto agradeceu o pai e logo foi rasgar os pacotes para ver o que tinha tirado de novo. Abriu o primeiro e encontrou 1 goleiro, um escudo de time e dois jogadores do seu clube. No segundo recebeu dois jogadores repetidos, um árbitro e um mascote de um clube rival. Ao abrir o terceiro pacote, Betinho surpreendeu-se.

Havia um único cromo, diferente de todos que já havia tirado. Acredite ou não, era uma foto do presidente do Brasil, com uma expressão grave no rosto, apontando o dedo para ele, Betinho. Além da foto incomum, continha os dizeres: "Você é o futuro do País". Assustado, o garoto guardou rapidamente a figurinha no bolso quando viu seu pai entrar no seu quarto.

Algum tempo depois, Betinho sentou-se no muro de sua casa e começou a pensar. O presidente designou-o para uma missão. Ele não tinha pedido por uma missão e não se sentia pronto para cumpri-la. Na verdade, “Futuro do País” era muito abstrato para ele, mas o fato é que a missão dependia dele. Até o presidente depositava sua confiança no garoto.

Foi um fardo que jogaram sobre as costas de um garoto, que mal sabia fazer contas, vivia numa casa modesta e estudava num colégio medíocre. Mal sabia Betinho que essa missão não era só dele. Ele compartilhava o fardo com toda a sua geração, inclusive com garotos e garotas que ele nunca imaginou que existiam, e que viviam nas mesmas condições que ele.

A tarefa tinha sido distribuída não só pelo presidente, mas pelos professores, dirigentes, ministros e grande parte das pessoas adultas. Simplesmente decidiram que aquela geração seria o futuro do país, e não se preocuparam em fornecer qualquer subsídio para que aquilo acontecesse. Tanto é verdade, que o dinheiro do ensino público continuou sendo desviado, os recursos naturais continuaram sendo gastos compulsoriamente e os problemas do país foram se acumulando, para que aquela geração se encarregasse de passar a régua.

Conforme esperado, a geração não passou a régua. Muito pelo contrário, passou o dever adiante, para a geração seguinte. Betinho não se destacou. Cresceu e se tornou segurança de uma boate, sustentando mulher e três filhos com um salário irrisório. Hoje, Betinho não compra cromos de futebol para os filhos, com medo de que um deles tire a figurinha do presidente. Mal sabe ele que o fardo é jogado diariamente sobre as costas das crianças daquele país.

3 comentários:

Hesílio de Freitas disse...

Fantástico, meu caro companheiro Basílio.
Se fosse em tempos de ditadura, nós estariamos presos novamente. rs

Um cheiro.

Mar e Ana disse...

hehehe
muuuito bom!
Muito real e crítico! Adorei!
E realmente, fossem tempos de ditadura, até eu estaria presa =p
Ainda bem que não é!

:*

Douglas Funny disse...

Quentíssimo meu querido.

Todos os dias isso ocorre, e o que todos fazem é empurrar com a barriga. Os problemas podem não serem meus, mas todos nós temos essa figurinha, que pode não ser do presidente, mas não importa. Talvez esse seja o valor humano.

Sucesso.