quinta-feira, 13 de março de 2008

O último tango de Rocca.

Era 11 de Julho de 1932. Meu nome é Rocca Mendes, herdeiro da Companhia Paulista de Café Roxo e militante do Partido Republicano Paulista. Naquele tempo, o estado clamava por liberdade pois a revolução constitucionalista tinha acabado de explodir. Eu precisava ir embora de qualquer maneira e, brasileiro irredutível e apaixonado que sou, nunca quis pegar as trouxas e abandonar o meu lar. Mas não tinha jeito, era a minha única escolha. Arrumei rapidamente umas poucas trocas de roupa e embarquei pra Buenos Aires.

Estranho pra um brasilerio convicto pisar em terras portenhas. Eu os olhava com ar de inferioridade, e é exatamente por isso que os fatos mostravam o contrário. Eu era peixe pequeno ali. Logo entrei em depressão. Não cultivei amizades, pois na verdade poucos gostavam de mim. Talvez pelo meu ego demasiado inflado, ou pela minha falta de modéstia. Achei que ia morrer sozinho. Mas não.

Tudo aconteceu num sábado. Ela estava vestindo um longo vestido vermelho de cetim. Usava um perfume intensamente marcante, balanceado entre o doce e o cítrico. Seus olhos eram puxados, mas não orientais, envolvendo uma bela coloração castanho-esverdiado. Seu cabelo era longo, levemente encaracolado e negro. Negro como a noite mais bela sob o luar. Ela possuía um corpo esguio e a pele era maravilhosamente bronzeada. Com aquela vestimenta decotada e cortada até o meio das coxas, ela dançava como ninguem o tango. Naquela noite eu decidi que não iria mais embora. Meu lugar era ali.

Durante longas 3 horas eu a vi desfilar, dançar e se derreter com o calor de meus olhares. Ela era tão linda que os homens sentiam medo de se aproximar. Sorte a minha. Num dado momento eu criei coragem e troquei rápidas palavras com a moça.


-"Lucía, es mío nombre." - Disse a moça. Sua voz era aveludada. Extremamente prazerosa de ouvir.

- "Placer en conocer vos." - Eu respondi num vergonhoso portunhol. Ela riu.


E foi assim que tive o primeiro contato com a mulher que um dia me traria desgraça. Mas disso eu ainda não sabia. Realmente foi um belo e ingênuo amor cego a primeira vista.

Lucía e eu namoramos por dias e dias a fio. Eramos apenas nós e as paredes revestidas pelo papel de parede florido. Petúnias ou tulipas... eu nunca entendi muito bem de flores. Mas o que importa era que estavamos nos apaixonando. Pelo menos era o que eu achava.

O fato é que: o que faz um cidadão brasileiro e, o mais importante pra época, paulista, na Argentina em 1932, em plena revolução constitucionalista? Óbvio. Fugia ou se escondia da ditadura. Pois bem, a moça era espiã a serviço da República. Seu nome era na verdade Maria Trentti, esposa do Coronel Villas Boas, então comandante do 2º Pelotão das Forças Armadas Nacionais, que estavam em atividade no front de guerra massacrando os meus companheiros. A verdade veio a tona quando a moça foi ao mercado ao lado de minha casa para comprar tomates e ervas finas. Descuidada, deixou a bolsa, e dentro dela eu vi a prova. Documentos, cartas do coronel, um batom vermelho e uma carteirinha do Club de Tango Porteño. Quando chegou em casa, muitas coisas passaram pela minha cabeça. Eu podia leva-la para a Europa, nós podiamos viver às escondidas. Eu a amava tanto... mas o que ficou ali, estagnado em meu pensamento, não podia ter sido outra coisa. Foi como um passo de tango. Triste e mortal. Três tiros.

Dois pra ela... um pra mim.

Como prometido. Não morri sozinho.

4 comentários:

Anônimo disse...

Achei o texto "chocante"!

Muito bom. Não conhecia seu blog e fiquei maravilhado com os ótimos textos.

Já está na área de parceiros do Contos Ancestrais.

Um abraço.

Douglas Funny disse...

Informo-lhe que, deveras, gostei do seu blog. Este último conto foi uma verdadeira revolução em poucas linhas o que, realmente, "choca" o leitor. Interessantíssimo meu caro.

Bem vindo ao Meu Querido Blog.

"Linkado" está.

Abraço!!

Mar e Ana disse...

Nossa!
Muito bom o blog de vocês! A idéia de contos anônimos é ótima e o que foi publicado por aqui é muito interessante!!
Bem bom mesmo! :}

:***


p.s.: quem me mostrou vcs foi o Douglas ae ó =]

Carlota Polar disse...

Lindo.

Espero que não se importem, mas não pude deixar de pôr entre os meus favoritos. Não é que eu queira arruinar o anonimato, mas puxa, é bom o bastante para que não deva passar despercebido. Um humilde esforço da minha parte então, pois, é passar adiante o Clube Anônimo. Adorei. Quem sabe eu tento a sorte de ser publicada por vocês, um dia desses?

Sonhando, resto.
Abraços. Vocês são muito bons.